EFERAM-CIT

O Sistema Educativo (do pré-escolar à Universidade) está refém de um paradigma que já não responde aos problemas que hoje se colocam. Transmite-se generalizadamente um conhecimento espartilhado dirigido à média e solicita-se que cada um compreenda o todo e consiga fazer as articulações e as sínteses que otimizem uma operacionalização contextualizada e personalizada (Lopes, Prudente, Vicente, & Fernando, 2014; Lopes, Vicente, Prudente, & Fernando, 2015).

Obviamente, não é uma tarefa fácil, mesmo para quem tenha a consciência que o atual paradigma já não responde de forma eficaz à maioria dos problemas que hoje se colocam.

Ora, com o conhecimento e os meios que temos à disposição, de uma forma muito sucinta, diríamos que para modificar este estado de coisas existem duas grandes opções: 1- Tentar melhorar os processos e estratégias existentes; e 2- Reformular o quadro global, promovendo uma rotura.

Defendermos uma rotura, contudo, enquanto docentes com responsabilidades no Mestrado em Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário e responsáveis pelo estágio pedagógico, compete-nos criar condições para atuar aos dois níveis. Foi por isso que decidimos, no âmbito do referido Mestrado, desenvolver um projeto de investigação, “Educação Física nas Escolas da RAM – Compreender, Intervir, Transformar (EFERAM-CIT)”, numa parceria com a Secretaria Regional da Educação da Madeira, que permite, aos investigadores/professores, a opção por uma das duas possibilidades. Assim, com o EFERAM-CIT pretendemos promover um conjunto de estudos e análises, em contexto ecológico e laboratorial, que contribuam para potenciar o valor educativo da Educação Física (EF) enquanto meio de transformação dos alunos.

Atualmente, os nossos objetivos são: (1) identificar preditores da motivação em crianças e adolescentes relativamente à EF e atividade física em geral; (2) descrever as relações entre o nível de participação nas atividades físicas e desportivas, os fatores de risco para a doença metabólica (obesidade, diabetes, hipercolestrolémia) e a saúde e bem-estar geral; (3) desenvolver e testar tecnologias interativas, capazes de recolher informação a partir de sensores tecnológicos, para monitorizar e proporcionar biofeedbacks, ajudando os adolescentes a serem mais ativos, mas também auxiliando os professores de EF a melhor individualizar a oferta educativa; (4) avaliar o efeito de programas de intervenção baseados em modelos de ensino centrados no aluno e na motivação para a EF e para a atividade física e desportiva em geral; (5) avaliar o efeito das tecnologias interativas na estimulação do interesse das crianças e adolescentes nas atividades físicas e desportivas, assim como na motivação para a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo, e (6) disponibilizar estratégias alternativas de ensino na EF que potenciem o desenvolvimento de habilidades, atitudes, valores e competências uteis ao longo da vida.

Em síntese, a nossa motivação centra-se fundamentalmente na melhoria da EF, promovendo, a qualidade da atividade física e desportiva numa perspetiva de educação para a saúde, na promoção da autonomia, a valorização da criatividade e orientação para a sociabilidade, com o objetivo de ajudar a formar Homens que tenham capacidades e competências para atuarem num mundo global em constante mudança. (Lopes, Rodrigues, Correia, Alves, Fernando & Gouveia, 2018; Gouveia, Rodrigues, Correia, Alves & Lopes, (2018);  https://eferamcit.wixsite.com/eferamcit).

A coordenação científica do Projeto é constituída por profissionais de várias gerações com diferentes perfis, valências, experiências profissionais e de vida, possuindo todos habilitação profissional para a docência no Ensino Básico e Secundário. A equipa de investigação, com investigadores oriundos de diferentes instituições de ensino superior nacionais e internacionais e de quadros da Secretaria Regional de Educação da Madeira, garante a criação de mais-valias e complementaridades que permitem uma abordagem coerente do fenómeno educativo em geral e da EF em particular.

É importante realçar que fazemos questão que seja uma investigação de rosto humano, de “pessoas para pessoas” realizada em contexto de formação de quadros…onde se pretende desenvolver a criação de uma cultura de laboratório pedagógico colaborativo e operativo em contexto real de ensino.

Procuramos que alguns dos estudos tenham um carater longitudinal (3 anos – nuns casos 7º/8º/9ºano, e noutros 10º/11º/12ºano), com diferentes valências, o que permite uma visão global do fenómeno e ao mesmo tempo uma intervenção personalizada direta e imediata. Adicionalmente, permite quantificar o efeito das intervenções pedagógicas nas variáveis em estudo.  

Os docentes das turmas da amostra são investigadores do Projeto. Não se limitam a “fornecer alunos”…. Fazem parte da equipa de campo na recolha de dados de caraterização e avaliação e são os responsáveis pela operacionalização das intervenções contextualizadas… sendo que, utilizam os dados recolhidos, para, por exemplo:

- Personalizarem o processo pedagógico na sua turma em geral e com cada aluno em particular;

- Produzirem e divulgarem o conhecimento pelos pares, alunos, encarregados de educação, diretores das Escolas e outros agentes da comunidade educativa.

Ou seja, não se fica à espera que os investigadores publiquem… ou façam relatórios parcelares… Reiteramos que não se trata apenas (e já não seria pouco) de fornecer dados para as decisões macro, mas fundamentalmente de compreender e intervir para transformar a prática. Tudo isto em contexto real de ensino.

Em função dos pressupostos e dos objetivos já referenciados, neste momento com o EFERAM-CIT a nossa ênfase tem estado, na caraterização e monitorização: - da atividade física; - do rendimento académico; - da perceção sobre a imagem e satisfação com a vida; - da motivação relativa à escola, à EF e às matérias e modelos de ensino; - da função cognitiva (COGTEL); - da aptidão física. Bem como em intervenções pedagógicas contextualizadas utilizando várias matérias de ensino e diferentes estratégias e modelos.

As equipas de campo são experientes e treinadas para recolha de dados (6 a 10 elementos, existindo em alguns “paramentos” “recolha com registo on line”). As equipas de conceptualização e construção das intervenções pedagógicas incluem especialistas das respetivas matérias de ensino …

No que respeita aos dados de caraterização da turma em geral e de cada aluno em particular, para além da sua consulta ser possível em tempo real, num prazo de sensivelmente duas a três semanas são disponibilizados “já com tratamento estatístico” (por aluno/turma/várias turmas). Ou seja, nas primeiras reuniões do Conselho de Turma já estão disponíveis para ser analisados em conjunto por todos os professores.

De realçar que os professores da turma (de qualquer disciplina) podem fazer “intervenções pedagógicas” contextualizadas, no âmbito das suas matérias de ensino, e utilizar o apoio da equipa do EFERAM-CIT.

Trata-se, assim, de uma “investigação aberta” que disponibiliza os dados a “quem solicitar”, permitindo a participação de professores/investigadores (preferencialmente da área da EF, mas com abertura a outras áreas) com intervenções pedagógicas inovadoras, existindo disponibilidade para formar “equipas de investigação/campo” que queiram aplicar e adaptar o Projeto nas suas escolas (descentralização), fazendo formação, treinando e dando apoio direto…ou seja, “pescamos” em conjunto e ensinamos a “pescar” …

Obviamente, é uma “investigação pesada” em determinadas fases (apesar de localizadas e pontuais), com muitos dados que possivelmente têm de ser revistos para não “estagiarem nos discos rígidos em estantes de carvalho” … Mas ao mesmo tempo, há “investigação leve” e contextualizada com dados utilizáveis em tempo útil em contexto real.

Assumimos que os alunos são o foco do processo e não apenas ou essencialmente “amostra” para as ambições académicas e necessidades profissionais dos investigadores. Os alunos não podem ser uma nota de rodapé ou um simples parágrafo nos agradecimentos de trabalhos “muito científicos” …

Fala-se muito na necessidade de uma investigação aplicada e da ligação Universidade-Empresas. Ora, as Escolas são as nossas empresas…

Reclama-se que é necessária uma rotura, que é preciso mudar, mas depois não se quer pagar os custos da mudança (da adaptação, da transição…), sendo que, os processos de adaptação não precisam ser dolorosos … Com o EFERAM-CIT demonstramos que é possível fazer investigação e lecionação com satisfação e prazer.

É necessário que exista coerência entre o discurso e o percurso. É assim fundamental que exista uma investigação credível e que credibilize as opções que se fazem (a todos os níveis – Macro e Micro). Isto para que não se faça uma navegação à vista ou por influência de crenças e de corporativismos dolosos (alimentadores de clientelas) …

Contudo, não nos podemos esquecer que abandonar o paradigma é deixar de praticar a ciência que ele preconiza (Kuhn, 1962).

Reiteramos que o EFERAM-CIT é um projeto de “pessoas para pessoas”, com a preocupação de atuar em diferentes níveis, nomeadamente:

1. Alunos;

2. Professores de Educação Física;

3. Professores de outras disciplinas;

4. Órgãos diretivos das escolas com Estágio…e de outras Escolas;

5. Decisores políticos;

6. Encarregados de educação;

7. Comunidade científica em geral (escolas de formação de professores em particular).

Sem prepotências intelectuais, nem megalomanias, fruto de “vertigens de pequenez”, não somos nem atuamos como visionários iluminados, vestindo a pele de inquisidores das boas práticas e dos bons costumes para converter tudo e todos, como se fossem uma espécie de infiéis…

O nosso foco é um processo educativo em que cada um possa criar e desenvolver o seu próprio equilíbrio, sem demagogias e sem aventureirismos doutrinários ou operativos tão em voga em certas áreas de alguns mercados do desporto…

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Referências Bibliográficas:

Gouveia, E., Rodrigues, A., Correia, A., Alves, R. & Lopes, H. (2018). Perspetivas de Investigação no Ensino da Educação Física: O exemplo do Estágio Pedagógico do  Curso de Mestrado em Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário. In H. Lopes, E. Gouveia, A. Rodrigues, A. Correia, J. Simões, & R. Alves. (Eds). Didática da Educação Física: perspetivas, interrogações e alternativas (pp. 212-227). Funchal: Universidade da Madeira.

Lopes, H., Prudente, J., Vicente, A. & Fernando, C. (2014). Uma Mudança Coerente no Ensino Superior – A Ferramenta Processo Pedagógico. Revista da Sociedade Científica de Pedagogia do Desporto, 1(5), 55-60.

Lopes, H., Vicente, A., Prudente, J. & Fernando, C (2015). As macro opções da escola – O discurso e o percurso. In Fraga, N. & Kot-Kotecki, A. (Orgs.). A Escola Restante (pp. 124-131) Funchal: CIE-UMa.

Lopes, H., Rodrigues, A., Correia, A., Alves, R., Fernando, C. & Gouveia, É. (2018). Educar para a Cidadania num contexto global – o Desporto como instrumento de atuação. In Rodrigues, L. & Fraga, N. (Orgs.), Europa, Educação, Cidadania (pp. 153-159). Funchal: CIE-UMa.

Kuhn, T. (1962). The structure of scientific revolutions. Chicago: The University of Chicago Press.